Fonte:
http://www.noticias.bol.uol.com.br/brasil/2012/03/29/justica-obriga-igreja-catolica-a-pagar-tratamento-de-religiosa-com-problemas-de-saude-no-ceara.jhtm
Aliny Gama
Do UOL, em Maceió
O TJ/CE (Tribunal de Justiça do Ceará) determinou que a Arquidiocese de
Fortaleza preste assistência material, médico-hospitalar e ainda pague
um auxílio-moradia a uma ex-interna da Congregação das Josefinas.
Segundo ação na Justiça, a “irmã” foi obrigada a se desligar da
Igreja Católica por não ter mais condições de saúde para continuar o
trabalho que exercia porque o Instituto Josefino Casa Mãe não aceitou a
solicitação de licença médica. Mas, para a Justiça, R.M.S. foi afastada
sem a devida assistência, que deve ser mantida. Ainda cabe recurso da
decisão.
A determinação do TJ foi tomada por unanimidade pela 7ª Câmara
Cível nesta terça-feira (27) e reformulou a decisão dada em primeira
instância, em desfavor da religiosa. Para dar a nova sentença, os
desembargadores se basearam nos artigos 610 e 670 do código de direito
canônico, que garantiriam a assistência.
R.M.S. trabalhou como professora por mais de 40 anos no Instituto
Josefino Casa Mãe e em um colégio particular ligado à Arquidiocese de
Fortaleza, mesmo sem receber remuneração. Como o acórdão ainda não foi
publicado, ainda não se sabe o valor que será custeado mensalmente pela
Igreja.
A religiosa pediu o afastamento dos trabalhos em março de 2006,
após sofrer de um câncer na garganta e não obter total recuperação da
voz, além de descobrir vários outros problemas de saúde, como lombalgia
crônica, osteosporose, entupimento de artéria e hipertensão arterial
sistêmica, que a tornaram inválida permanente para o trabalho em 2002.
Segundo o advogado de R.M.S., César Alencar, a religiosa pediu para
ser afastada dos trabalhos na Congregação e do colégio particular, mas
teve o pedido negado pelos superiores, que acreditavam que ela estava
apta para trabalhar.
Alencar relatou ainda que a “irmã” decidiu ingressar com uma ação
após várias tentativas amigáveis de obter a aceitação da licença
médica, com o devido custeio dos problemas de saúde, mas que foram
negadas pelo Instituto Josefino Casa Mãe.
“Apesar de as pessoas acharem que essas religiosas vivem só
rezando, elas trabalham duro, limpando igrejas, fazendo manutenção de
jardins etc. Além do mais, minha cliente trabalhava como professora, de
graça, sem ganhar salário, em um colégio que pertence à instituição de
caridade, mas os alunos pagam para estudar lá”, disse.
Alencar comemorou a decisão, que --segundo ele-- é inédita no
Estado e poderá abrir precedente para novas ações. “Tivemos muita
dificuldades em obter o direito canônico, pois a Igreja Católica é uma
instituição fechada. Mas conseguimos fazer uma argumentação bem
fundamentada, e o resultado está aí, com a unanimidade dos votos”,
disse Alencar, afirmando que ainda estuda entrar um processo pedindo
indenização trabalhista.
Histórico
A religiosa ingressou na congregação em 1959 e morava como interna
no instituto até adoecer, há dez anos. Como o Instituto Josefino não
oferecia estrutura nem assistência para a sua permanência, um pedido de
licença médica foi feito após ela se submeter a uma cirurgia.
“Os proventos que dela a instituição é quem recebia. Cortaram até o
plano de saúde e retiveram parte do salário da minha cliente, mas
alegaram que estava dentro do direito canônico”, disse Alencar.
Na ação, a religiosa acusa a superiora-geral do Instituto Josefino
Casa Mãe de negar a licença que lhe daria o direito de ficar ao lado da
família durante a convalescença. “Minha cliente foi obrigada a pedir o
desligamento da Igreja para poder deixar de ser interna da Congregação
Josefina”, disse o advogado.
Sem solução amigável, a religiosa pediu à Santa Sé sua
exclaustração [decisão pela qual o papa, o superior de uma congregação
ou o bispo concede a um religioso uma autorização de saída ou
afastamento] definitiva, em junho de 2005, mas o arcebispo de Fortaleza
recebeu o pedido e negou.
Segundo a ação, em 2006 o pedido de dispensa dos votos perpétuos
foi acatado pelo arcebispo de Fortaleza, “mas sem os direitos
assegurados pelo Cânon e pela Constituição Josefina”, deixando a
religiosa sem assistência.
O desembargador Durval Aires Filho, relator do processo, afirmou
que a Justiça teve de intervir remetendo o caso a legislação comum por
falta de entendimento da Igreja que “arranhou os direitos civis da
religiosa”.
“O Estado, como garantidor da esfera pública, está legitimado a
intervir, remetendo a competência para a legislação comum – Código
Civil – que trata dessas organizações religiosas como pessoas jurídicas
de direito privado.”
Invenções
A reportagem do
UOL entrou em contato com a
Arquidiocese de Fortaleza e foi informada de que o arcebispo de
Fortaleza, dom José Antonio Aparecido Tosi Marques, estava em reunião,
não estava sabendo da decisão e não iria comentar sobre o assunto.
Em contato com a secretária irmã Fátima, que faz parte do Instituto
Josefino Casa Mãe, a reportagem foi informada de que a superiora-geral
da congregação, Maria Bernadete Gonçalves de Paula, estaria viajando em
missões canônicas e que ninguém iria comentar sobre o caso.
Segundo irmã Fátima, a religiosa R.M.S. fez parte da turma formada
quando ela ingressou na congregação, mas que “ela teria inventado
muitas doenças e mentido até que foi professora para poder obter ajuda
da Casa Mãe". Irmã Fátima sugeriu que a reportagem buscasse outros
assuntos religiosos que divulguem a Igreja Católica positivamente.
Na ação, o instituto negou que tenha obrigado a religiosa a pedir
desligamento da Igreja, assegurando que ela saiu de forma “espontânea.”